terça-feira, 26 de abril de 2016

Resenha 616 - Capitão América: Guerra Civil



Em 2006, a Marvel voltava a escrever história dentro do mundo dos quadrinhos com o lançamento da minissérie em sete partes que viria a ser um verdadeiro marco pros novos tempos. Contagiando sua base de fãs de tal forma que realmente a dividiu em lados mediante a pontos de vistas tão honestos e reflexivos, a Guerra Civil foi um feito único. Dez anos depois, quando a proposta foi lançada para o cinema, a primeira coisa que se passou na cabeça dos leitores foi - conseguiriam eles trazer o mesmo impacto e profundidade da discussão toda para as telonas? É isso que vamos tentar responder em nossa Resenha 616 sobre Capitão América: Guerra Civil. E cuidado: temos alguns spoilers moderados a seguir.

A missão de Joe e Anthony Russo ao retomar o manto do Capitão América em seu terceiro filme solo acabou sendo muito mais complicada do que provavelmente eles imaginavam quando embarcaram nesta. Eles já tinham um plot completamente  pronto para ser continuado com a recuperação de Bucky Barnes, o Soldado Invernal (Sebastian Stan). Com os eventos de Vingadores: Era de Ultron, herdaram um status quo completamente novo pros Vingadores, com novos membros e toda expectativa do público de vê-los em ação. Por fim, o Presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, bateu na sala deles um dia e jogou na mesa a ideia de trabalharem a Guerra Civil na trama do filme. Seria um aperto pra qualquer outro, mas logo nos primeiros minutos é possível ver que Joe e Anthony tiraram de letra.



O tema central nos é trazido depois de mais uma acidente envolvendo os Vingadores na cidade de Lagos, na Nigéria. Com isso, a equipe é levada a reviver todos os problemas que vem sendo criados desde que os Vingadores se reuniram. Fazendo uso das palavras do personagem Visão, o silogismo fica evidente de que o aumento dos "meta-humanos" está ligado a mais conflitos e mais catástrofes. E com isso, surge os Acordos de Sokovia, tratado assinado por mais de 117 países e que pretendem colocar a ação quase sempre inconsequente dos heróis sob o cabresto do mundo. E com isso, todos os integrantes dos Vingadores ficam divididos internamente e sofrem conflitos ao longo das mais de duas horas e meia de filme.

Vemos um Visão (Paul Bettany) plenamente racional seguir sua lógica mais coerente, mas descobrir-se falho e capaz de se distrair em um momento importante; Um Jim Rhodes (Don Cheadle) pragmático, praticamente sobressaindo seu lado mais militar, mas confessando somente para seu amigo Tony que no fim acha tudo isso um saco. Uma Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) ainda se descobrindo, temerária pelos seus atos mais recentes, mas no fim determinada a tomar uma posição; Um Falcão (Anthony Mackie) sempre fiel, mas tentando funcionar sutilmente como a consciência em dúvida de Steve Rogers sobre o quão longe eles devem ir. Até mesmo a Viúva Negra (Scarlett Johansson) pondera suas decisões numa balança e talvez ache tudo isso grande demais pra seguir aquilo que ela mesma foi contra ao final do filme Capitão América: Soldado Invernal. E, claro, temos alguns elementos novos adicionados a trama.



T'Challa, o Pantera Negra, (Chadwick Boseman) tem bem mais do que um só motivo para estar ali naquela trama e querer ter tudo em pratos limpos. Inicialmente impulsionado pela vingança, vemos as coisas se acalmando aos poucos e a personalidade mais analítica e planejadora do Pantera Negra se sobressaindo com o avançar da narrativa. A Marvel vem fazendo um excelente trabalho introduzindo aos poucos esse universo wakadiano no UCM e os fãs do personagem certamente ficarão bem satisfeitos com o que foi feito até aqui. Desenvolveram um sotaque próprio para ele, há aparição bem rápida e ameaçadora de uma Dora Milaje e até mesmo um vislumbre do Reino. Com este filme, certamente as coisas se ampliaram bastante pro que está por vir aí em 2018.

Peter Parker, o Homem-Aranha
(Tom Holland) é certamente desde seu anúncio aquele que os fãs estão mais curiosos para ver em ação. E não haverá decepções aqui. Mesmo que seja o personagem com menor tempo de tela dentre os heróis, quando o pirralho entra com seu novo uniforme na briga, você não tem como se conter. É o personagem que sempre quisemos ver brincando e tagarelando como nos quadrinhos. E como qualquer fanboy deste mundo, ele funciona ali como os olhos do público ao lado de tantos titãs. Se há um ponto fraco aqui, talvez seja a "convocação" muito rápida do personagem para ingressar o Time Stark. Soa corrida e desesperada, mas não por culpa do ator. A cena é até um excelente dueto bem elaborado de piadas entre ele e Tony Stark, com uma inocente Tia May de tabela. Talvez, tenha só faltado um pouco mais de tempo para isso ser mastigado e levado ao público. E, claro, é reservado a Peter uma das melhores cenas da "Grande luta" no aeroporto de Leipzig.



Dois outros só aparecem mais na terceira parte dessa história para se juntar ao Time do Capitão. Clint Barton, o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) surge como principal apoio de Steve Rogers para recrutar reforços para seu lado. Assim, além de recuperar a Wanda nos EUA, ele traz consigo um maroto Scott Lang, o Homem-Formiga (Paul Rudd) a tira colo. À parte das hilárias cenas com Lang que está bastante entusiasmado de estar entre os maiorais, descobrimos que ele andou aprimorando o traje original do Homem-Formiga e revive até mesmo uma cena "gigantesca" que não podia faltar como uma das referências a própria minissérie original dos quadrinhos.



Mas o cerne de tudo aqui está nos dois grandes atores desta trama que realmente separam lados não só entre os times, mas entre seus fãs. Steve Rogers, o Capitão América (Chris Evans) e Tony Stark, o Homem de Ferro (Robert Downey Jr) começam apenas como divergências de ideais e tem um bom debate sobre o tema no começo de tudo. Foi algo que certamente até mesmo faltou nos quadrinhos originais mas os irmãos Russo viram que era necessário colocar essa conversa às claras no filme. Isso segue até tudo desandar com o ressurgimento do Soldado Invernal e as coisas tomarem nuances mais pessoais e emotivas. Primeiramente, para Steve Rogers. Depois, para o próprio Tony Stark. Daí, tudo fica extremamente perigoso e a briga entre os dois ocorre de forma visceral. Mais uma vez, honrando o que foi visto nos quadrinhos, ao final, Tony e Steve esquecem os princípios pelo que lutavam e isso pode levar qualquer um deles a matar o outro.

Uma coisa importante para se deixar clara aqui é que essa rixa entre Tony e Steve é algo que já vinha sendo costurado de forma coesa ao longo dos dois filmes dos Vingadores e dessa maneira entra fácil na cabeça do público. Você conhece os personagens, tem suas preferências por cada um deles, e por estar tão familiar com eles, suas motivações e até erros neste novo filme soam tão reais como se fosse aquele seu amigo do lado. Então, o tão esperado embate entre os dois aqui praticamente se escreve sozinho e ganha tons tão fortes que vai lhe contagiando aos poucos até você não saber por quem está torcendo e temer pelo pior.



Então, temos finalmente o grande arquiteto de tudo, Helmut Zemo (Daniel Brühl). Para o seu bem, esqueça tudo que você sabia antes do vilão. Nada sobre sua história nos quadrinhos é aproveitada aqui. Já de outro modo, seu modus operandis tem tudo a ver com o personagem. É um articulador paciente e que vê várias camadas do seu plano de forma antecipada. Se puder, ele praticamente entra e sai do lugar como um sombra, mas o rastro que deixa quase sempre é catastrófico. Como fã notório do personagem dos quadrinhos, ouso dizer que ele consegue toda complexidade necessária de um Zemo, mas não deixa de ser humano e também motivado pelo desejo da vingança.

O filme oscila portanto entre momentos muito íntimos, profundos e emocionais para logo ser descarregados com pura adrenalina em cenas de combates vibrantes onde mais reina a coreografia do que efeitos especiais (como é o forte dos irmão Russo). E ainda com todo o pesar e tensão envolto no tema, há espaço para as cenas divertidas com piadas pontuais e muito bem colocadas. É uma característica Marvel que não pode e nem deve ser deixada de lado.

Todo o vislumbre que você já teve da perseguição do Pantera Negra entre carros, combate contra os terroristas comandados por Ossos Cruzados e luta entre lados no aeroporto em nada se compara ao que há ainda por ser mostrado no filme. Ou seja, é um filme ainda surpreendente, cheio de referências (pra deleite das piadas do Capitão) e aconselho se preservar de qualquer informação a mais antes de assisti-lo. Portanto, não haverá espaço aqui para saber sobre finais ou cenas pós-creditos. O que posso adiantar é que de forma muito esperta, os Russo trabalharam o terreno para o futuro e mesmo sem ter qualquer aparição de Thanos ou conteúdo cósmico no filme, estavam pensando longe na vindoura Guerra Infinita. E, de certo modo, no filme solo do Pantera Negra também.



Apesar de que muitos podem considerar esse filme uma versão 2.5 dos Vingadores, e tem todo direito para isso, Capitão América: Guerra Civil não fugiu do seu papel de funcionar como a terceira parte de uma eventual trilogia do Capitão América. Há referências e jargões a todo momento referente ao primeiro filme do personagem. Tem um desfecho muito sensível para a personagem de Peggy Carter e a abertura de novas possibilidades amorosas com sua sobrinha Sharon (Emily VanCamp). Complementa de forma monumental a estrada que Bucky Barnes, revivendo seus erros enquanto Soldado Invernal e lutando para não mais cometê-los.

Se você acredita mesmo nessas "maldições" de terceiros filmes, Capitão América: Guerra Civil está aí pra te provar o contrário. É um filme que facilmente ostenta a posição de melhor filme da Marvel até o momento, podendo ser assim como foi nos gibis um marco pra o gênero de super-heróis nos cinemas. E aguarde o nosso podcast já na próxima semana. Aí sim, teremos nenhuma restrição de spoiler e muitos comentários sobre os easter eggs.

Coveiro

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