Quando Sam Raimi assumiu a direção do primeiro filme do Homem-Aranha, lá em 2002, teve a difícil tarefa de adaptar para as telonas um personagem que fez muito sucesso nos quadrinhos. Em 2012, 10 anos depois, quando a Sony decidiu fazer um reboot no universo cinematográfico do personagem, Marc Webb, o novo diretor, recebeu uma missão igualmente complicada. Pegar um personagem adaptado de forma inocente e "crua" pro cinema, e remodelá-lo, de fato, à imagem do século 21.
O primeiro passo foi pegar a versão ultimate do super-herói e usá-la como base nessa nova franquia. Um Peter Parker mais crível, ainda azarado e atrapalhado, mas alguém que mesmo com seus problemas e dilemas, consegue ser feliz e tirar sarro de todas as situações. O cara enfrenta com esperteza e descontração até os mais delicados inimigos. E com todo um roteiro sabendo caracterizar o personagem, entra Andrew Garfield, um ator que literalmente veste a camisa do herói que interpreta. Quando ele chora, lamentamos, porque realmente estamos assistindo a Peter Parker chorar. Quando ele faz piada, rimos junto, pois é realmente uma piada digna de Homem-Aranha. A trama com seus pais tem continuidade, muitos criticam o filme por esse plot, mas particularmente gosto quando criam conexões entre os personagens, mesmo que no passado. Deixa tudo mais enxuto. O universo ultimate dos quadrinhos é basicamente isto, Hulk, Homem-Aranha, Duende Verde, os mutantes e muitos outros surgiram na corrida genética para se criar o novo super-soldado, após a morte do Capitão América. Então acaba que a origem de um herói ou vilão está atrelada a criação do outro. E tudo culmina na Oscorp, se levarmos em conta o número limitado de personagens dos quais a Sony possui os direitos cinematográficos.
O filme também é maravilhoso visualmente. Os efeitos especiais são um espetáculo a parte. Pela primeira vez as cenas do Aranha se balançando pelas teias, em NY, ficaram reais. Você entende como funciona o processo e vê a ação do ponto de vista do próprio escalador de paredes. O universo estendido começa a ser semeado, vários personagens são inseridos, mesmo que já não assumam suas "super-alcunhas", ficando apenas com suas identidades civis. O número de easter eggs do longa é enorme, tente não piscar durante o filme.
Um trauma para os telespectadores desde Homem-Aranha 3 é o alto número de vilões. A promessa de ter Rhino, Duende Verde e Electro pode ter assustado, mas na prática, suas participações são comedidas e cada um tem sua função no filme. Nada de aparições de luxo ou exageros. Dane DeHaan, que causou muita desconfiança quando foi anunciado como Harry Osborn, consegue dar vida ao personagem e nos faz esquecer de vez o seu ex-interprete, James Franco. O mesmo vale para a Tia May, interpretada pela atriz Sally Field, que tem aparições pontuais e pertinentes.
Emma Stone merece um parágrafo próprio pelo seu trabalho dando vida à Gwen Stacy. Um amor jovial, que passa a sua veracidade e intensidade. O drama que os cerca é desenvolvido de forma divertida, sem o "mimimi melodramático" que o relacionamento de adolescentes costuma ter nas telonas. A cena inclusa no trailer do filme, em que Gwen chama o Aranha de Peter aos berros, fala muito sobre o relacionamento do casal: sincero e espontâneo.
O filme, claro, não é perfeito. O mesmo roteiro que acerta em cheio no desenvolvimento dos personagens, nas referências aos que ainda vão aparecer e na trama toda amarrada, também peca em alguns momentos. Soluções simplistas e algumas coisas que acontecem "porque sim", mas nada que comprometa o filme.
Para quem é fã das aventuras do Homem-Aranha, verá nos cinemas praticamente 2 horas e meia de uma história em quadrinhos em movimento. E quem ainda não lê suas HQs, certamente ficará no mínimo interessado em começar a saber mais do personagem, pois o impacto que o filme tem sobre os telespectadores não é pequeno.
Agora, se você não assistiu ao filme ainda, recomendo que não leia o que falarei a seguir. É um desabafo sobre o filme COM SPOILERS. Para realizar a leitura, selecione o texto e leia por sua conta em risco.
Particularmente achei o final meio anti-climático. Mas acalme-se, explicarei essa minha posição.
Quando a Gwen Stacy morre, na queda da Torre do Relógio, eu realmente não acreditei no que estava acontecendo. A cena mostrava o Peter chorando, não querendo acreditar no que estava acontecendo e eu estava junto dele na torcida. Quando a câmera mudou, para um ângulo de cima e focou no rosto da personagem, acreditei com todas as minhas forças que ela iria abrir os olhos.
Na sequência, mudou a cena, e novamente fiquei na torcida de mostrarem ela em um hospital, se recuperando. Mas a cena que surgiu foi em um cemitério. Novamente fiquei na torcida para ser o velório de algum Osborn, que fosse um "pega ratão". Mas não, Gwen Stacy realmente havia morrido nos braços de Peter Parker.
Dai me caiu a ficha. Dai eu acreditei. Mas dai já tinha passado a cena e não adiantava eu me emocionar mais. Mas realmente fiquei todo arrepiado quando me toquei do que aconteceu. Foi anti-climático pra mim, e só pra mim, porque deixei o filme me envolver de tal forma que não quis acreditar no que eu vi. E quando a ficha caiu, já era tarde demais para lamentar.
E na sequência, quando ele assiste ao depoimento dela na formatura, confesso que me segurei pra não deixar uma lágrima cair. Tenho mais ou menos a idade dos personagens do filme e vejo regularmente pessoas conhecidas da minha idade morrerem, seja no transito ou onde for. Ver ela, a atriz, caracterizada de adolescente na formatura, e o Peter, com toda uma vida para carregá-la apenas nas lembranças, me fez lembrar de alguns conhecidos que se foram.
E se um filme consegue se conectar comigo a tal nível que me atinja assim, só pode ser algo muito bem feito e envolvente.
Kinhu Heck