Seguindo a ordem cronológica de festas comemorativas dos cinquentas anos da Marvel, o ano de 2013 vem recheado de personagens que estão completando meio século de criação. Março é a vez do Homem de Ferro, personagem que neste novo milênio ganhou uma projeção até então inesperada com seu bom resultado nos cinemas. E, curiosamente, podemos encontrar ao longo dessas cinco décadas muitas curiosidades sobre o personagem e até mesmo traçar uma boa comparação com o Tony Stark de hoje. Abrindo essa sequencia de postagens comemorativas, vamos falar um pouco dos bastidores de criação do personagem.
Em 1963, a Marvel já gozava de pleno sucesso. Seu primeiro gibi, o Quarteto Fantástico, se encaminhava para os dois anos de existência e o personagem Homem-Aranha conquistou rapidamente o coração do público. Além, é claro, de alguns icônicos surgidos um pouco antes como Thor, Hulk e até mesmo, olhem só, o Homem-Formiga. Contudo, a mente mirabolante de senhor Stan Lee ainda tinha fome por mais e começou a caminhar por percursos mais ousados pra Casa das Idéias.
A existência de Tony Stark se deve a essa ousadia de Lee, que tentou imaginar quão difícil seria criar um “Senhor da Guerra” para ser adorado por seus leitores, que viviam tempos de paranoia da Guerra Fria e viam o começo da Guerra do Vietnã. Nas palavras do próprio Stan, num vídeo recente da animação do personagem, ele esclarece bem isso. “Eu acho que eu me dei um desafio. Era o auge da Guerra Fria. Os leitores, os leitores jovens, se havia uma coisa que odiavam, era guerra, era o serviço militar... Então, eu criei um herói que representaria o centésimo grau disto. Ele era um fabricante de armas, ele estava fornecendo armas para o Exército, era rico, ele era um industrial .... Eu pensei que seria divertido dar vida ao tipo de personagem que ninguém gostaria, nenhum de nossos leitores gostariam, e empurrá-lo goela abaixo até gostarem dele ... e ele se tornou muito popular” falou o velhinho.
Como era corriqueiro, Stan primeiro deveria convencer seu editor (e primo) Martin Goodman daquela ousadia. Na sua autobiografia, Excelsior! The Amazing Life of Stan Lee, ele lembra de forma divertida que Goodman achou aquilo a ideia mais absurda do mundo, mas atendeu as insistências do então jovem Lee. E de fato, as primeiras edições com o personagem na série Tales of Suspense começaram a conquistar o público. Foram mais de sessenta números dividindo metade das páginas com outros personagens, incluindo mais tarde o icônico Capitão América. Foi assim até se aproximar do número 100, quando passou para “carreira solo”, logo depois de estar numa única edição dividindo as atenções com Namor, o príncipe submarino.
Contudo, mesmo com a idéia embrionária ali, Stan precisava dar consistência a sua nova criação. De imediato, veio em sua cabeça o inventor Howard Hughes, um homem de destaque nas últimas décadas - aviador, engenheiro aeronáutico, industrial, produtor de cinema, diretor cinematográfico e um dos homens mais ricos do mundo. Tão cheio de atribuições quanto o próprio Tony que bem hoje conhecemos. Howard também teve seu dedo de ajuda na Segunda Guerra, criando dois modelos de aviões de guerra- o espião XF-11, que quase o matou num teste; e o avião de carga Hércules, conhecido como "Spruce Goose", que foi idealizado para transportar tropas e equipamento através do Atlântico, sendo possível pousar na água. Infelizmente, este último acabou só tendo o projeto finalizado após o fim da Guerra. Ainda assim, o nome de Hughes era lembrado popularmente de costa a costa, principalmente ao produzir o filme Hell's Angels, além do Western O Proscrito. Por sinal, atentem que Howard é o nome do pai de Tony.
Mas se em essência Tony Stark seria um Hughes, externamente, Lee queria que ele fosse um verdadeiro galã. Assim, dando uma reviravolta no perfil de super-heróis de cara-limpa, Stark acabou ganhando um bigodinho pomposo e o rosto completamente inspirado num dos ídolos de Lee na época – o ator Errol Flynn. Flynn era australiano e teve o auge da sua carreira em meados dos anos 40, quando Stan era ainda bem jovem e via com muita magia aqueles primeiras produções do cinema. Em seu curriculo estavam A carga da brigada ligeira, Capitão Blood, As aventuras de Robin Hood, Fugitivos do Inferno, Nunca me Diga Adeus, Sangue e Prata, dentre outros. Morreu antes de ver essa homenagem a ele nos quadrinhos. Aconteceu em 1959, quando completava 50 anos, por complicações no coração , boa parte delas amplificadas por seu problema já notório com alcoolismo. Até parece que não foi coincidência, não?
Não havia outro rosto melhor para dar vida a Tony Stark do que ele e, certamente, se estivesse vivo, Lee tentaria ao máximo que ele um dia fosse escalado para tal papel. Não é difícil ver em entrevistas aí o velhinho ainda se referindo a ele como um “boa pinta” para viver o personagem. Assim, Lee correu para Don Heck, que fazia os interiores da história e plantou a ideia. Comparem só essa arte a abaixo (de outro artista) com a fisionamia do ator em sua armadura:
Uma outra curiosidade que já tinha sido pensada naquela época foi a questão da personalidade do Homem de Ferro, que deveria ser um galã e conquistador de mulheres, mas ao mesmo tempo tinha uma fraqueza. Seu coração era quebrado. Não de um jeito subjetivo, era realmente quebrado e aquela condição não permitiria que no final ele pudesse ficar com as mocinhas. Isso porque sua condição era um segredo que deveria esconder essa sua “fragilidade”, ao mesmo tempo que preservava a identidade secreta de seu “guarda-costas”, o Homem de Ferro.
Apesar de Don Heck ser o principal responsável artístico da história, os creditos da criação da primeira armadura são ainda de Jack Kirby. Isso porque Kirby era a grande estrela do show, fazia todas as capas e foi assim que ele imaginou de imediato um “Homem de Ferro”, bem próximo de um “Homem de Lata” mesmo. Curiosamente essa referência também pode ter algum dedo de Stan Lee, já que como já mostramos aqui, o personagem é uma inspiração clara do vilão do quadrinho pulp The Spider. Todavia, na edição 48 de Tales of Suspense, Don Heck foi substituido pelo co-criador do Homem-Aranha, Steve Dikto, que inovou completamente colocando uma armadura mais maleável, aparência mais humana, remodelando a figura pesada do herói para algo mais próximo da famosa armadura vermelha e amarela, que ficou tão iconográfica com o passar dos anos. Esse também foi um bom respaldo para que no futuro, Tony pudesse recriar suas armaduras e combinações de armas ao seu bel prazer, outra característica que se mantém no herói até mesmo nos filmes. Mais tarde, em entrevista, Heck diz que essa mudança de armadura para algo mais light foi um alívio, mais seu estilo de desenho.
Ainda assim, Don Heck acabou ficando com os créditos do rosto da identidade do herói, o Tony Stark por si. Mas de leva, ele é quem deu vida a Pepper Potts e Happy Hogan, além da grande maioria de vilões, incluindo o Gavião Arqueiro e a Viúva Negra. Já na parte dos roteiros, Stan acabou passando as rédeas quase que de imediato para seu irmão caçula, Larry Lieber, já que não só estava ficando superlotado de roteiros, como assumia um posto mais perto de um homem de negócios, um rosto público da Marvel.
Dentre todos os gibis da época, como pode-se notar folheando qualquer história clássica reeditada numa dessas Bibliotecas Históricas lançadas, o Homem de Ferro foi a que mais tocou com sobriedade em questões políticas delicadas, totalmente arraigado no cenário da Guerra Fria. E mesmo com o passar do tempo, é apenas repaginado para acompanhar o mundo contemporâneo, levantando debates sobre o terrorismo e guerra tecnológica. As histórias, assim como as do Quarteto Fantástico, preocupavam-se em ter uma base um tanto lógica dentro da ficção científica. Isso levou muito tempo depois ao escritor Robert Genter, da revista The Journal of Popular Culture, a classificar Tony Stark como o símbolo ideal daquilo que representa os grandes inventores norte-americanos.
Outra característica logo do começo do personagem é a quantidade de público feminino que ele conquistou. Antes mesmo do sucesso nos cinemas, Stan Lee revelou numa entrevista em um programa chamado Marvel Then and Now: An Evening with Stan Lee and Joe Quesada de 2007, que ficou impressionado como recebia cartas de meninas na redação da Marvel direcionadas pra o herói. Não eram muitas, claro, mas significativamente maiores. Pelo visto, o velhinho acertou o dedo em cheio ao buscar suas referências. E isso acabou se mantendo até hoje, quando voltou a explodir o sucesso nos cinemas.
E o que vem depois disso... Bem, vai ficar pra outro dia! Esse é nosso post de abertura de comemoração dos 50 anos do Homem de Ferro. Teremos algumas outras matérias, ressaltando mais curiosidade de bastidores, como ocorreram as publicações aqui no Brasil e fechando o mês com chave de ouro, num podcast bem bacana voando alto pelas cinco décadas de aventura do personagem.
Até lá!
Coveiro