Rio de Janeiro, calor saariano há cerca de um mês, apenas preparando terreno para o tardio carnaval (coisas do calendário lunar e da ligação da festa pagã com a Páscoa cristã), e eis que nós da Universo Marvel 616 ficamos sabendo de um evento inesperado em pleno fevereiro de 2011, no último sábado do mês, dia 26. Haveria de se realizar em uma rua secundária do bairro do Flamengo, no Albergue Cultura Carioca, o evento KomiKong, organizado pela Impacto Quadrinhos em torno de aprendizes de desenhistas de HQs, venda de algumas poucas raridades em nacionais e estrangeiras e três palestras.Para além dos dois palestrantes brasileiros, ligados aos inúmeros alunos de desenho que lá estavam, nomeadamente Lipe Dias (de William Shatner TekWar e The Mis-Adventures of Adam West) e Carlos Rafael (de Battlestar Galactica, Highlander e Buck Rogers da Dynamite Comics), uma atração que nos motivou mais ainda a passar algumas horas na zona sul carioca: ninguém menos que OLIVIER COIPEL, desenhista de Dinastia M, da repaginação contemporânea de Thor e da saga O Cerco (Siege), prestes a estrear nacionalmente, estaria lá para dar uma palestra bem informal e conversar com os presentes. Eu (João), Jeferson, sua irmã Jucielly e nosso amigo Helder fomos conferir de perto.
Sem desmerecer as palestras dos artistas nacionais, claro que nossa maior expectativa estava na chegada do desenhista francês hiper talentoso, o que demorou um pouco graças ao seu conhecimento já notório do Rio de Janeiro – já são conhecidas suas constantes visitas à cidade, inclusive o que já nos fez tentar contato algumas vezes. Provavelmente curtindo o calor incomum para o Europeu, ele só chegou depois das 13:00, quando era esperado por volta do meio-dia (o que nos rendeu um longo período famintos), mas que valeu a pena graças a sua paciência, simpatia e tranquilidade em responder perguntas corriqueiras a respeito de seu trabalho.
Muito solícito, demonstrava preocupação quanto ao que já teria saído aqui no Brasil (ficando surpreso com a diferença de um ano nas publicações) ao expor imagens trazidas para projeção durante a palestra. Lamentou não poder mostrar seu trabalho atual para a Marvel, já que este é ainda inédito inclusive nos EUA.
Coipel chega de bermuda, camisa e mochila. Tranquilamente confundível com qualquer um que estava por ali.
O que trarei para vocês agora são algumas informações interessantes sobre a trajetória profissional desse artista, que aos poucos se tornou um dos mais prestigiados jovens talentos a trabalhar para a Marvel.
Coipel no centro das atenções.
Uma primeira curiosidade sobre sua carreira é que por algum tempo ele trabalhou com animação, tendo sido empregado da Dreamworks, experiência que aparentemente não foi tão agradável quanto a atual. No ramo das HQs, o começo, como sempre, foi difícil. Munido de seu portfólio, dificilmente conseguia atenção ou aprovação de sua obra em potencial, até que resolveu ir da França aos EUA para, em uma das regulares convenções, participar de uma avaliação corriqueira do trabalho de aspirantes a desenhista.
Alguns painéis trazidos por Coipel: Wolverine Arma-X, Mulher-Aranha e Homem-Aranha 2099.
Falha. Não houve interesse. Até que uma pessoa que viu seu trabalho meio sem querer o chamou e observou o portfólio cuidadosamente até lhe oferecer um emprego. E foi assim que trabalhou na DC Comics por cinco anos. Na medida em que seu trabalho foi chamando atenção pela qualidade e consistência, passou a ser assediado pela Marvel.
Caras e bocas durante as explicações e respostas.
Preocupado com os rumores de que a cobrança por prazos na Marvel era exaustivo, especialmente para jovens desenhistas, hesitou muito, apesar de ter muita vontade de trabalhar lá. Com a garantia de que, com aquele nível de trabalho, as cobranças por prazo seriam razoáveis, acabou aceitando e, ao fim de seu contrato, migrou para a Casa das Ideias.
Lá, seu primeiro trabalho foi na série Avengers: Red Zone, história de Geoff Johns, atualmente um dos principais roteiristas da DC.
Avengers: Red Zone.
Não se falou muito de Dinastia M a princípio, cabendo boa parte das perguntas ao que parece sua obra-prima até agora: Thor.
Antes de mais nada, depois de Dinastia M o que ele queria mesmo era desenhar o Homem-Aranha (ficou clara, aos poucos, sua predileção pelo escalador de paredes), e foi isso que disse quando quiseram lhe oferecer uma revista regular. Mas Thor acabou aparecendo como uma melhor oportunidade de aproveitarem seu talento, já que no retorno do personagem o roteirista J.M. Straczynski queria uma ampla reformulação.
Revelando que teve bastante liberdade quanto às propostas de reformulação visual do deus do trovão e de todo seu universo particular, afirmou que a ideia de Straczynski era aproximar o personagem de um conceito “ao estilo Senhor dos Anéis”. Explicou que inicialmente produziu algo considerado excessivamente rústico, quase “medieval”, mas tal ideia foi parcialmente rejeitada, já que pecaria em um ponto que os editores não gostariam de errar: na identificação imediata do personagem, mesmo com diversas modificações. (A informação se torna mais interessante quando lembramos que muita gente reclamou do visual do longa-metragem do personagem era rústico “de menos”)
O Thor de Olivier Coipel.
Coipel finalmente chegou ao ponto de equilíbrio certo entre renovação e identificação do personagem e seus coadjuvantes, revelando que estudou muito os personagens secundários de Thor, uma vez que valoriza muito a qualidade de abordagem destes para que o protagonista se destaque. Aliás, pelo que falou e respondeu, além de qualidade e honestidade no seu trabalho, o francês claramente é alguém que chegou onde chegou por estudar e se dedicar muito, além, claro, de gostar bastante do que faz.
Falando nisso, revelou também um de seus desenhistas favoritos quando mais jovem: Marc Silvestri, atualmente na Top Cow, mas um dos notórios artistas da passagem “de ouro” de Chris Claremont pelos X-Men. Quem tem de 30 anos para cima sabe do que estamos falando. Além disso, no caso específico de Thor, disse ter se inspirado pelo legendário desenhista de Conan, o artista americano Frank Frazetta, morto em maio passado.
A inspiração veio em relação à composição visual de um universo de homens e mulheres rústicos, no qual a guerra e valores relacionados a essa prática regem a sociedade. Sem reproduzir o estilo de Frazetta, mas mantendo o seu próprio, como fica claro, Coipel diz que sua narrativa visual o inspirou.
Marc Silvestri nos X-Men e o Conan de Frank Frazetta.
Demorou um pouco para perceber os louros de algo de tanta qualidade quanto suas edições em Thor, coisa que só percebeu quando foi em algumas convenções nos EUA. Além de o surpreender muito, a tietagem o deixou mais orgulhoso ainda, sentindo a responsabilidade do que estava fazendo ao lidar com um ícone das HQs dos EUA e do mundo.
Curiosamente, perguntado sobre o longa-metragem do Thor (com estreia prevista para maio de 2011), o desenhista francês revelou que foi muito pouco consultado sobre a concepção artística do filme, apesar de claramente inspirado no “seu” Thor. Corte de custos? Aqui quem especula sou eu.
Com alguns desenhistas no local algumas preocupações, claro, tinham a ver com seu processo criativo de, dependendo da necessidade, duas páginas em um mesmo dia. O que é bastante, especialmente quando se tem uma arte tão detalhista, inclusive revelando algumas contingências utilizadas a fim de não ter os desenhos “alterado” pelos arte-finalistas.
Rascunhos de capas para O Cerco.
Mostrando algumas páginas em diversos momentos da criação, ele explica que é muito “simples” com seus layouts, justificando isso com a concentração de sua energia no ponto central de um quadro que, depois de definido, é minuciosamente construído com o tempo e energia economizados.
Layouts, detalhes e partes finalizadas da mesma página de O Cerco.
Pensando nisso, e aproveitando uma bela imagem lotada de personagens do ainda inédito no Brasil O Cerco, consegui fazer a primeira pergunta (cara-de-pau é assim mesmo) vinda da platéia. Questionei, diante de toda a preocupação com detalhes e composição das cenas desenhadas, como Coipel conseguia desenhas histórias tão lotadas de personagens como Dinastia M ou O Cerco (aguardem e confiram), tanto com relação a conhecer de fato os personagens quanto de desenhá-los de forma satisfatória para o leitor.
Acabei gerando um momento de descontração, já que ele riu revelando que, dependendo da página, há vários macetes que podem ser usados. “Trapaças”, “cheats”, como ele os chamou em um inglês afrancesado (seu português era mais limitado, e o francês incompreensível até para os intermediadores). “Uma sombra aqui, uma nuvem de fumaça ali, de poeira acolá, um personagem atrás de outro, que acabava desenhado pela metade no enquadramento...”. Risadas, claro, de boa parte dos presentes.
Ouvindo as perguntas atentamente.
Ainda assim, dependendo da página, é necessário se dedicar mais, pois seria impossível usar tais recursos de forma satisfatória, mesmo que esse tipo de trabalho não fosse fruto de insistentes desenhos e familiarização com personagens, como foi com Thor. Extremamente honesto e profissional, admitiu que já se atrasou, mas que nunca colocaria os prazos a frente da qualidade de seu trabalho (e isso é perceptível em sua arte), buscando justamente equilibrar os dois aspectos dando mais tempo a páginas mais importantes na narrativa da história. E diz que isso só aprendeu a fazer com treino e trabalho. Ossos do ofício.
Alguns exemplos de páginas “super povoadas” de O Cerco.
Perguntado sobre a diferença entre trabalhar com J. M. Straczynski (Thor) e Brian Michael Bendis (Dinastia M e O Cerco), acabou dizendo que não é tão diferente, pois ele recebe os roteiros na França, de onde trabalha (e às vezes dá palpite na organização dos quadros). Porém, com a insistência dos presentes, revelou que Straczynski é mais contido, sucinto, enquanto Bendis fala pelos cotovelos, muito empolgado com a forma como seus roteiros tomam forma com sua arte. Além disso, lembrando que já trabalhou com Claremont, diz (sem nenhuma surpresa deste que vos escreve) que o velho roteirista escreve MUITO mais do que qualquer um com quem já trabalhou.
A palestra foi esfriando, provavelmente pela fome apertar a maioria dos presentes. Mas ainda houve tempo de algumas perguntas técnicas antes da tietagem e sessão de autógrafos (as quais dispenseis por não gostar muito e por sair correndo para almoçar), que giraram em torno do uso de referências e desenvolvimento de técnica pessoal.
A pequena sala ficou cheia.
Ficando claro nas entrelinhas que estudou muito quando mais novo, Coipel diz que pouco usa referências para desenhar personagens, já que dá preferência para o que “parece certo” visualmente do que para o que é anatomicamente preciso. No máximo para roupas, estilos de cabelo, mas tudo bem genérico. Com relação a ambientação, gosta de fotografias de locais que não conhece e que existem na vida real, como a cidade de Nova York, “estranha” ao francês.
Eu, Jeferson e Helder, devidamente uniformizados. Missão cumprida!
A grande parte da alta qualidade de sua arte nas HQs está no treino e na repetição, apesar de dizer que vem fazendo isso muito pouco ultimamente, com tanto trabalho. Mas de qualquer forma pretende, quando tiver tempo livre entre os trabalhos, voltar a praticar "livremente".
Assim acabou a palestra de um dos artistas mais promissores dos últimos anos, e também um dos mais simpáticos, já que se dispôs a gastar parte de suas férias com um bando de nerds, fãs de quadrinhos e desenhistas em potencial em uma ruazinha escondida no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro, em pleno mês fevereiro.
O Coveiro editou um vídeo com algumas imagens que filmamos no local. Confira a seguir:
Para entrar em contato com a Impacto Quadrinhos o endereço é Rua Arnaldo Quintela 112, ( Próximo ao Metrô Botafogo ) e o telefone de contato é (21) 2471.9547
João
PS.: Sinceros e profundos agradecimentos ao nosso redator Jeferson, e aos amigos Jucielly e Helder pela ajuda na empreitada.
Sem desmerecer as palestras dos artistas nacionais, claro que nossa maior expectativa estava na chegada do desenhista francês hiper talentoso, o que demorou um pouco graças ao seu conhecimento já notório do Rio de Janeiro – já são conhecidas suas constantes visitas à cidade, inclusive o que já nos fez tentar contato algumas vezes. Provavelmente curtindo o calor incomum para o Europeu, ele só chegou depois das 13:00, quando era esperado por volta do meio-dia (o que nos rendeu um longo período famintos), mas que valeu a pena graças a sua paciência, simpatia e tranquilidade em responder perguntas corriqueiras a respeito de seu trabalho.
Muito solícito, demonstrava preocupação quanto ao que já teria saído aqui no Brasil (ficando surpreso com a diferença de um ano nas publicações) ao expor imagens trazidas para projeção durante a palestra. Lamentou não poder mostrar seu trabalho atual para a Marvel, já que este é ainda inédito inclusive nos EUA.
Coipel chega de bermuda, camisa e mochila. Tranquilamente confundível com qualquer um que estava por ali.
Coipel no centro das atenções.
Alguns painéis trazidos por Coipel: Wolverine Arma-X, Mulher-Aranha e Homem-Aranha 2099.
Caras e bocas durante as explicações e respostas.
Lá, seu primeiro trabalho foi na série Avengers: Red Zone, história de Geoff Johns, atualmente um dos principais roteiristas da DC.
Avengers: Red Zone.
Antes de mais nada, depois de Dinastia M o que ele queria mesmo era desenhar o Homem-Aranha (ficou clara, aos poucos, sua predileção pelo escalador de paredes), e foi isso que disse quando quiseram lhe oferecer uma revista regular. Mas Thor acabou aparecendo como uma melhor oportunidade de aproveitarem seu talento, já que no retorno do personagem o roteirista J.M. Straczynski queria uma ampla reformulação.
Revelando que teve bastante liberdade quanto às propostas de reformulação visual do deus do trovão e de todo seu universo particular, afirmou que a ideia de Straczynski era aproximar o personagem de um conceito “ao estilo Senhor dos Anéis”. Explicou que inicialmente produziu algo considerado excessivamente rústico, quase “medieval”, mas tal ideia foi parcialmente rejeitada, já que pecaria em um ponto que os editores não gostariam de errar: na identificação imediata do personagem, mesmo com diversas modificações. (A informação se torna mais interessante quando lembramos que muita gente reclamou do visual do longa-metragem do personagem era rústico “de menos”)
O Thor de Olivier Coipel.
Falando nisso, revelou também um de seus desenhistas favoritos quando mais jovem: Marc Silvestri, atualmente na Top Cow, mas um dos notórios artistas da passagem “de ouro” de Chris Claremont pelos X-Men. Quem tem de 30 anos para cima sabe do que estamos falando. Além disso, no caso específico de Thor, disse ter se inspirado pelo legendário desenhista de Conan, o artista americano Frank Frazetta, morto em maio passado.
A inspiração veio em relação à composição visual de um universo de homens e mulheres rústicos, no qual a guerra e valores relacionados a essa prática regem a sociedade. Sem reproduzir o estilo de Frazetta, mas mantendo o seu próprio, como fica claro, Coipel diz que sua narrativa visual o inspirou.
Marc Silvestri nos X-Men e o Conan de Frank Frazetta.
Curiosamente, perguntado sobre o longa-metragem do Thor (com estreia prevista para maio de 2011), o desenhista francês revelou que foi muito pouco consultado sobre a concepção artística do filme, apesar de claramente inspirado no “seu” Thor. Corte de custos? Aqui quem especula sou eu.
Com alguns desenhistas no local algumas preocupações, claro, tinham a ver com seu processo criativo de, dependendo da necessidade, duas páginas em um mesmo dia. O que é bastante, especialmente quando se tem uma arte tão detalhista, inclusive revelando algumas contingências utilizadas a fim de não ter os desenhos “alterado” pelos arte-finalistas.
Rascunhos de capas para O Cerco.
Layouts, detalhes e partes finalizadas da mesma página de O Cerco.
Acabei gerando um momento de descontração, já que ele riu revelando que, dependendo da página, há vários macetes que podem ser usados. “Trapaças”, “cheats”, como ele os chamou em um inglês afrancesado (seu português era mais limitado, e o francês incompreensível até para os intermediadores). “Uma sombra aqui, uma nuvem de fumaça ali, de poeira acolá, um personagem atrás de outro, que acabava desenhado pela metade no enquadramento...”. Risadas, claro, de boa parte dos presentes.
Ouvindo as perguntas atentamente.
Alguns exemplos de páginas “super povoadas” de O Cerco.
A palestra foi esfriando, provavelmente pela fome apertar a maioria dos presentes. Mas ainda houve tempo de algumas perguntas técnicas antes da tietagem e sessão de autógrafos (as quais dispenseis por não gostar muito e por sair correndo para almoçar), que giraram em torno do uso de referências e desenvolvimento de técnica pessoal.
A pequena sala ficou cheia.
Eu, Jeferson e Helder, devidamente uniformizados. Missão cumprida!
Assim acabou a palestra de um dos artistas mais promissores dos últimos anos, e também um dos mais simpáticos, já que se dispôs a gastar parte de suas férias com um bando de nerds, fãs de quadrinhos e desenhistas em potencial em uma ruazinha escondida no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro, em pleno mês fevereiro.
O Coveiro editou um vídeo com algumas imagens que filmamos no local. Confira a seguir:
Para entrar em contato com a Impacto Quadrinhos o endereço é Rua Arnaldo Quintela 112, ( Próximo ao Metrô Botafogo ) e o telefone de contato é (21) 2471.9547
João
PS.: Sinceros e profundos agradecimentos ao nosso redator Jeferson, e aos amigos Jucielly e Helder pela ajuda na empreitada.