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A saga que amarra literalmente anos de roteiros capitaneados por Brian Michael Bendis se encaminha para sua reta final. Em meio a uma série de tie-ins – não consigo me recordar de alguma outra saga que os tenha usado em tanta quantidade – a impressão de que o universo Marvel está interligado aumenta, apesar da realização plena dessa meta não ser possível, e talvez nem mesmo desejável. Portanto, tendo em vista uma profunda mudança ao fim do que parece um grande run de Bendis por todos os pontos principais do universo Marvel, tento fazer uma pequena reflexão, talvez um pouco desordenada, a respeito do que vem acontecendo.
Em primeiro lugar, o grande mérito do roteirista parece ser o de resgatar elementos presentes na história dos quadrinhos Marvel e, ao mesmo tempo, repaginar muitos de seus ícones. A começar por Nick Fury. O quase inquestionável papel exercido pelo caolho veterano de guerra no comando da SHIELD caiu por terra no final de Secret War, o que não o impediu de agir nos bastidores, como era esperado. Porém, como foi revelado recentemente em um dos principais tie-ins da atual saga, a revista Mighty Avengers, foi um dos primeiros a ter conhecimento da infiltração de agentes skrulls no planeta, começando cedo a preparação para deter a iminente invasão, formando seus guerreiros secretos, cuja participação aparentemente não estará limitada à saga. Ainda que o papel de Fury na série principal esteja aquém do que parecia se configurar, sua participação não está encerrada, então ainda podemos esperar algo daí.
Por falar em Vingadores, aí está outro foco de ação de Bendis, que foi responsável, de forma inquestionável até pelos que não admiram seu trabalho, pelo resgate dos Avengers como a principal referência de todo Universo Marvel. Há anos (sim, anos!!) que os New Avengers e (após Civil War) os Mighty Avengers se estabeleceram como os grupos que norteiam as ações, beirando muitas vezes até a onipresença (Homem de Ferro que o diga). Isso fica claro quando vemos justamente nesses dois títulos o que vejo como o recheio da casca promovida pela revista principal da série, a mini Secret Invasion, de oito partes. Vi muitas críticas sobre como ela é curta, ou que mostra coisas esparsas que podem ser encontradas em outros títulos. Não consigo ver seu papel de outra forma além de uma linha central, que guia todo o resto da participação dos heróis, e vilões, nos momentos derradeiros da invasão. Portanto, alternando entre mostrar como se forjou tanto a invasão quanto a resistência, os títulos dos Vingadores são o verdadeiro carro-chefe da saga.
Seria chover no molhado falar como personagens por muito tempo apagados, como Luke Cage, Ms. Marvel, Punho de Ferro, Dr. Estranho, e até o Homem de Ferro, foram resgatados editorialmente nos últimos anos. Isso sem citarmos as transformações sofridas pelo Gavião Arqueiro, pelo Capitão América (sua morte e “reencarnação” em Bucky faz parte desse contínuo), Thor (cujo desaparecimento no Ragnarok fez também parte de Disassemble), e a introdução (ou reintrodução) de personagens como Jessica Jones, Ka-Zar, Shana, Sentry, Ares, Hercules, Maria Hill (cuja redenção parece se concretizar na invasão) e até mesmo da Agente Brand, cria de Joss Whedon, belissimamente utilizada.
Para terminar de falar dos tie-ins, vemos muitos deles com papel aparentemente inútil na saga. New Warriors, Spider-Man, X-Factor e a dobradinha Runaways & Young Avengers são completamente dispensáveis, na minha opinião. Thunderbolts (por ser uma extensão mais detalhada do destino do grupo e do Mar-Vell skrull), Ms. Marvel e Fantastic Four ficam no meio do caminho, enquanto Thor, Inhumans, Avengers Initiative, Black Panther, She-Hulk (depois de se livrar do X-Factor) e, de forma surpreendente, até X-Men, mostram perspectivas muito interessantes. Acredito que Incredible Hercules ainda impressione pela qualidade de antes e durante a invasão. Front Line voltou a ter a qualidade perdida em sua versão WWH. Talvez seja cedo para falarmos de Nova ou Guardians of The Galaxy, já que seus propósitos ainda não parecem claros. Uma pena que Who do You Trust?, contendo várias short-stories, tenha sido publicada em one shot, já que deu banho em alguns tie-ins.
Feita essa panorâmica sobre como a saga se expande por todo universo Marvel, gostaria de fazer uma rápida e pessoal análise do que acho que essa história traz. Em primeiro lugar, o clima de mistério arrastado durante toda preparação (principalmente no ano que antecedeu seu início oficial), foi algo muito bem estruturado, e de fato trouxe uma crescente curiosidade em como tudo aquilo foi tramado. Ainda não temos respostas concretas sobre o papel skrull em Civil War e House of M, os grandes mistérios ainda a serem resolvidos.
Ok, certo. Mas e a principal questão? Por que invadir a Terra? Seria isso um revival da Guerra Kree-Skrull, cavalo de batalha dos maiores críticos do suposto caráter repetitivo da saga? Sim e não. Vimos em Illuminati que as ações do elitizado grupo de super heróis, que assumiu para si um papel de superioridade em relação ao restante dos heróis, foram um dos motores que estimulou a organização da invasão. O que não deve ficar impune ao seu final, já que não faz muito tempo que outra decisão do grupo lançou toda raiva vingativa do Hulk sobre Manhattan.
Uma das primeiras motivações é, portanto, político-militar. Os skrulls estavam desmoralizados e juraram vingança, tendo na captura do material genético diversificado dos Illuminati a ferramenta que poderia favorecer uma nova empreitada. Devastado por uma série de reveses (dentre eles Galactus e a Onda de Aniquilação), o império skrull não tinha mais no que se prender, até surgir a referência a profecias religiosas, que mudaram o comando de seu povo e o direcionamento de suas intenções com relação à Terra, agora considerada um planeta prometido por forças superiores.
Claro que HQs são HQs, e realidade é realidade, mas seria quase ingenuidade crer que esse tom de cruzada religiosa não tivesse relação com o clima de tensão na sociedade americana desde o ataque às Torres Gêmeas do WTC em 2001, o que fez com que, com propósitos diversos, aqueles considerados “inimigos” fossem retratados de forma simplista como “fanáticos religiosos”. Daí você pode pensar, “ok, Bendis está chamando os fanáticos religiosos (skrulls) de maus e os defensores do mundo (heróis) de bons, substituindo os heróis pelos EUA e os skrulls pelo ‘mundo islâmico’”. Talvez o problema esteja em querer simplificar demais a questão, mesmo no roteiro de Secret Invasion.
Um dos tons do final da edição cinco e início da edição seis de SI foi de um império skrull que, mesmo tramando uma série de esquemas de espionagem militar e, por fim, invadindo agressivamente o planeta Terra, estaria ali para salvar a humanidade de si mesma. Usando imagens populares entre os americanos na mensagem passada em Manhattan, apontam todas as “falhas” da humanidade em conviver em harmonia dentro de sua própria espécie. Além disso, indicam a maneira como tratam seu próprio planeta, condenando-o conscientemente ao auto-extermínio. Em outras palavras, o império skrull se apresenta como o grande tutor externo que, vendo todos os defeitos daquele que pretende colocar sob suas asas, estaria ali para salvá-lo, pela glória de sua divindade. O “ele” que ama a todos.Vendo dessa forma, talvez a crítica de Bendis esteja voltada ao seu próprio país, que usou discursos semelhantes e meios escusos para invadir e dominar, muitas vezes com sucesso duvidoso, diversas regiões do planeta. Obviamente os exemplos mais recentes e próximos da realidade do autor são os casos do Afeganistão e do Iraque. Não pensem que escrevi isso tudo para fazer um discurso pró ou contra EUA. Pretendo ir um pouco além disso, e entender o que gira na cabeça do idealizador dessa obra, impulsionando-o a escrevê-la dessa forma.
Sob tal perspectiva, acredito que há uma crítica dupla. Novamente é bom lembrar que, ressaltando que nem mesmo nos quadrinhos as coisas parecem ser mais assim, o mundo não é binário, ou preto & branco. O fanatismo religioso não precisa ser vangloriado para que se critique aqueles que se opõe a ele, e nem mesmo questionar extremismos religiosos resulta em justificar combates ferozes e intolerantes. Bendis mira nos dois pontos. A invasão do Império skrull tem o fanatismo da crença em uma superioridade sobre os outros que, mesmo representada sob a faceta religiosa do “he loves you”, poderia muito bem ser mostrada como um conjunto de ações executadas em nome da civilização, da democracia ou da liberdade (termos para lá de relativos, dependendo do propósito com que são usados). A questão é que Secret Invasion não é mais uma história de combate a alienígenas invasores, criando heróis e vilões, mas uma forma encontrada de representar uma realidade presente no mundo atual, mesmo que à distância para nós. Não quero com isso dizer que a saga seja uma obra prima, ainda que admita que admiro bastante a forma como ela foi e está sendo orquestrada, mesmo descontando alguns problemas. Talvez daqui a alguns anos ela possa ser melhor avaliada.
A crítica de Secret Invasion talvez seja reforçada na divertida campanha promovida pela Marvel, que reproduz um tipo de propaganda político-religiosa que, se bem procurada, será encontrada sob diferentes moldes e plataformas. O www.embracechange.org traz justamente esse tom uniformizante que tal empreitada requer, brincando um pouco com o fato de, se com uma bela embalagem, até a coisa mais terrível pode parecer agradável.
Embrace change em skrull e em alemão.
Em italiano, francês e russo.
Em espanhol e em japonês.
Não sei se me fiz entender com essas palavras. Espero que não vejam isso como algum tipo de apologia, porque não era essa a intenção. Queria terminar dizendo que, de uma forma geral, gosto bastante do que foi feito até se chegar em Secret Invasion, cujo momento de mistério deu lugar à batalha dos heróis (e até vilões) por suas vidas e de seu planeta, como era de se esperar, sem prejudicar nem um pouco a história com isso. A perspectiva para o mundo Marvel após seu encerramento é ainda uma incógnita, mas pode ser bem positiva, se os impactos que tal trama trouxer sejam levados a sério e estabelecidos a longo prazo.
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Em primeiro lugar, o grande mérito do roteirista parece ser o de resgatar elementos presentes na história dos quadrinhos Marvel e, ao mesmo tempo, repaginar muitos de seus ícones. A começar por Nick Fury. O quase inquestionável papel exercido pelo caolho veterano de guerra no comando da SHIELD caiu por terra no final de Secret War, o que não o impediu de agir nos bastidores, como era esperado. Porém, como foi revelado recentemente em um dos principais tie-ins da atual saga, a revista Mighty Avengers, foi um dos primeiros a ter conhecimento da infiltração de agentes skrulls no planeta, começando cedo a preparação para deter a iminente invasão, formando seus guerreiros secretos, cuja participação aparentemente não estará limitada à saga. Ainda que o papel de Fury na série principal esteja aquém do que parecia se configurar, sua participação não está encerrada, então ainda podemos esperar algo daí.
Um dos tons do final da edição cinco e início da edição seis de SI foi de um império skrull que, mesmo tramando uma série de esquemas de espionagem militar e, por fim, invadindo agressivamente o planeta Terra, estaria ali para salvar a humanidade de si mesma. Usando imagens populares entre os americanos na mensagem passada em Manhattan, apontam todas as “falhas” da humanidade em conviver em harmonia dentro de sua própria espécie. Além disso, indicam a maneira como tratam seu próprio planeta, condenando-o conscientemente ao auto-extermínio. Em outras palavras, o império skrull se apresenta como o grande tutor externo que, vendo todos os defeitos daquele que pretende colocar sob suas asas, estaria ali para salvá-lo, pela glória de sua divindade. O “ele” que ama a todos.Vendo dessa forma, talvez a crítica de Bendis esteja voltada ao seu próprio país, que usou discursos semelhantes e meios escusos para invadir e dominar, muitas vezes com sucesso duvidoso, diversas regiões do planeta. Obviamente os exemplos mais recentes e próximos da realidade do autor são os casos do Afeganistão e do Iraque. Não pensem que escrevi isso tudo para fazer um discurso pró ou contra EUA. Pretendo ir um pouco além disso, e entender o que gira na cabeça do idealizador dessa obra, impulsionando-o a escrevê-la dessa forma.
A crítica de Secret Invasion talvez seja reforçada na divertida campanha promovida pela Marvel, que reproduz um tipo de propaganda político-religiosa que, se bem procurada, será encontrada sob diferentes moldes e plataformas. O www.embracechange.org traz justamente esse tom uniformizante que tal empreitada requer, brincando um pouco com o fato de, se com uma bela embalagem, até a coisa mais terrível pode parecer agradável.
Embrace change em skrull e em alemão.
Em italiano, francês e russo.
Em espanhol e em japonês.
Não sei se me fiz entender com essas palavras. Espero que não vejam isso como algum tipo de apologia, porque não era essa a intenção. Queria terminar dizendo que, de uma forma geral, gosto bastante do que foi feito até se chegar em Secret Invasion, cujo momento de mistério deu lugar à batalha dos heróis (e até vilões) por suas vidas e de seu planeta, como era de se esperar, sem prejudicar nem um pouco a história com isso. A perspectiva para o mundo Marvel após seu encerramento é ainda uma incógnita, mas pode ser bem positiva, se os impactos que tal trama trouxer sejam levados a sério e estabelecidos a longo prazo.
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